Historicamente, um dos pontos altos das conquistas avençadas está o
Iluminismo, precursor de diversas teorias posto que foi um movimento global
ético, filosófico, social capaz de introduzir a reflexão de toda a humanidade
acerca de seus valores, e sem dúvida foi também o século de iluminação dos
preceitos e princípios jurídicos analisados por diversas vertentes tal como se
deu entre os autores como Voltaire, Rousseau e Montesquieu, entre outros.
Ao direito penal reservou-se sempre especial análise, principalmente,
após enfretamentos catastróficos aos direitos humanos tal como ocorrido na
segunda guerra mundial, apesar de já terem existido alertas sociais acerca da
forma como a jurisdição penal era exercida como se pôde analisar em “ vigiar e
punir “ de Michel Foucault, verifica-se que a busca por um modelo penal mais
eficiente e justo veio ocorrer anos depois.
Assim resultado de forçosas reflexões pela humanidade, essencialmente
após a experiência de diversos indivíduos no sistema até então evocado,
parafraseando Carnelutti em as “Misérias do Processo Penal”: o direito penal
deve ser aplicado com extremo rigor até que eu (ou algum ente querido) sente no
banco dos réus, quando buscarei o melhor direito e me servir das melhores
garantias.
Nesse teor, na década de noventa o autor Luigi Ferrajoli através da sua
obra “Direito e Razão” desafiou a revisão das ideias iluministas buscando não
apenas o reconhecimento dos direitos, mas também sua eficácia, dos quais
surgiram desdobramentos sobre a interpretação do direito penal, da necessidade
de análise conjunta de ética, filosofia e política.
Importa lembrar que os valores diferenciam-se dos princípios ( ou
postulados, como defendem alguns doutrinadores), àqueles surgem antes e nem
sempre são abarcados como princípios, decorrem do empirismo humano e social que
passa a proteger e elencar determinadas condutas exemplificam tais valores como
importantes a serem seguidas, seja pela necessidade de manutenção da ordem ou
paz social, seja por interesse histórico-político, no entanto, observa-se que
dada a relevância de alguns desses valores eles transcendem a situação
histórica da qual originaram, perpetuando-se, sendo transformados em princípios
jurídicos norteadores e guias para o ideal desenvolvimento do direito e da
jurisdição, dentre os quais se salvaguarda um modelo ideal que em sua efetiva
aplicação pode até não ser alcançado em completude, mas que deve ser
perseguido, à título de exemplo temos o princípio da igualdade, da liberdade
que refletem os valores desenvolvidos na Revolução Francesa, ou no denominado
período Iluminista.
Desta feita, Ferrajoli desenvolveu a teoria do garantismo penal, na qual
questionou os modelos de aplicação do direito penal em que se fundava o Estado
Democrático de Direito, observando o tratamento demasiado opressivo aplicado pelo
Estado em desfavor de um indivíduo, que as consequências desse tratamento nos
tornam mais distantes do modelo ideal de eficácia do direito penal, traçando a
necessidade de limites e garantias quando do exercício de punir, ocasião em que
não é distante analisar toda uma coletividade em desfavor de um indivíduo.
Dessa busca de limites e garantias, surgiram alguns axiomas ou postulados
necessários à eficácia do garantismo penal, também chamados de modelos-limite
por Ferrajoli são eles:
1. o princípio da legalidade,
2. da necessidade,
3. da retributividade
ou consequência da pena,
4. da lesividade ou ofensividade do evento,
5. materialidade
ou exterioridade da ação,
6. culpabilidade ou responsabilidade pessoal,
7. jurisdicionariedade,
8. acusatório ou separação entre juiz e acusação,
9. ônus da
prova ou verificação e
10. princípio do contraditório ou ampla defesa.
Quanto ao princípio da legalidade, interessa aplicá-lo tanto em seu
modelo limitativo da aplicação nos casos delineados pela norma quanto “ao saber
aplica-la”, efetuando com parcimônia a subsunção do fato a norma, evitando
extremismos e assentando-se na necessidade de responsabilidade penal sem,
contudo, violar direitos fundamentais do indivíduo sobre o qual se aplica, a
objetividade da norma deve adequar-se à situação subjetiva de modo a assegurar
a finalidade do direito penal.
No que tange ao princípio da necessidade, deve-se se verificar a
utilidade da aplicação, o custo benefício visado, se o direito aplicado trará
os resultados pretendidos ou se caminha no sentido dos modelos-limites. Outrossim,
o princípio da retributividade segue guiando o exercício da jurisdição, pois se
a intenção precípua é restaurar a ordem e reeducar o indivíduo , reintegrando-o
de maneira eficaz no meio social, se faz necessário verificar se a atuação
jurisdicional persegue essa finalidade e não exercita apenas a persecução
contra o indivíduo.
O princípio da lesividade recorda que a conduta praticada deve violar bem
jurídico que transcenda a esfera individual do sujeito ativo, não que se trate
com menos importância a autolesão que deve ser tratado por outras áreas do
direito, mas de atribuir a responsabilidade penal às questões que atinjam a
ordem social, para que o direito penal seja efetivamente usado como ultima
ratio.
A materialidade ou exterioridade da ação, se verifica quando da punição
das condutas que se manifestem no mundo real, não permanecendo, por exemplo,
apenas na mente do sujeito, é necessário que se “agente” que “aja” em direção
da violação do bem jurídico protegido.
A culpabilidade ou responsabilidade pessoal, remonta ao modelo de que a
análise de culpa ou de responsabilidade penal deve ser limitada ao indivíduo, em
regra não podendo eximir de sua responsabilidade por fatores externos ou que
lhe antecedam, salvaguardada as exceções previstas na própria lei como limites
a essa aplicação.
O princípio da Jurisdicionariedade, visa atingir os aplicadores do
direito sendo um modelo-limite e garantia de que no uso das normas ou dos
conceitos por ela enunciados deve-se estabelecer não as condições necessárias,
mas suficientes para condenação, e não as condições suficientes, mas as
necessárias a absolvição.
Em relação ao princípio acusatório, busca-se a efetividade do uso do
sistema penal acusatório em que há separação entre juiz e acusação permitindo o
diálogo das partes no processo e impedindo imposições arbitrárias do juiz na
aplicação da lei. Agindo em consonância com o princípio do ônus da prova, que
guia o instituto da produção de provas diante do qual se faz a verificação dos
fatos, da materialidade do delito, se há comprovações suficientes para
condenação ou se estão presentes os elementos necessários à absolvição.
Por fim, e não menos relevante, o princípio do contraditório acompanhado
de proteção constitucional em diversos modelos de constitucionais do mundo, que
assegura a defesa processual permitindo-se contrariar ou ir em oposição aos
elementos trazidos pela parte adversa em busca da verdade e como dito anteriormente,
não que se pretenda alcançar a verdade mas deve-se preservar e manter-se no seu
caminho.
Os axiomas enunciados fundamentam o garantismo penal, capazes de
legitimar as decisões judiciais sob a ótica dessa teoria, visam garantir maior racionalidade
à aplicação do direito penal através de modelos ou critérios a serem
perseguidos, concedendo técnicas para o exercício da jurisdição, impedindo que
seja aplicado ao arbítrio das razões pessoais do julgador ou da sociedade,
afastando a brutalidade e a violência do poder de punir.